--
Ele era um cara alto, consideravelmente taciturno e bastante amistoso. Ele acordava por volta das seis da manhã e chegava ao trabalho ás sete. Almoçava por volta de uma hora e chegava em casa ás seis e meia. Costumava jantar macarrão de microondas e ver televisão o resto da noite. Quando nasceu, sua mãe resolveu que seu nome seria Tom.
Naquele dia prolixo em especial Tom resolveu checar sua correspondência antes de entrar em casa. Aliás , ele nunca recebia nada além de contas. E foi o simples abrir da caixa de correio que mudou o resto da sua noite e, quem dirá, da sua vida. A portinha abriu e balançou perigosamente sobre a única dobradiça que ainda restava, enquanto Tom recolhia as contas de luz e água. Depois de ter o correio recolhido, bateu a portinhola com um pouco mais de força do que deveria, e um baque fino anunciou que a última dobradiça também já era.
Por alguns milésimos de segundos o apetrecho de metal caiu em direção ao pé de Tom, e acertou seu dedão com uma força nauseante. O berro, como podem imaginar, foi plenamente audível. Ele xingou toda a família ainda viva da porta da caixa de correios e mancou para dentro de casa. Mórbido ao estremo, olhou para a unha sangrenta no seu pé e achou prudente procurar um hospital.
O caminho foi longo e dolorido. Sempre era. Tom mancou até a recepcionista e ainda conseguiu energias para discutir com ela. “Mas eu estou para perder o dedo!”. E depois de algum tempo ele entrou na sala de emergências. Soltando ganidos exagerados de dor, ele foi examinado, medicado e enfaixado. Estava sentado numa das salas brancas do hospital e ficou encarando o dedo recoberto de branco. Parecia ter duplicado de tamanho.
Passou quase quatro horas no hospital até ser liberado sob o pretexto de voltar em duas semanas. Posso dizer que a vida não ficou mais generosa para com Tom. Ele ia trabalhar no mesmo horário, almoçava no mesmo horário e saía no mesmo horário. Chegava em casa e jantava a mesma comida, depois de dar uma olhada para a caixa de correio sem porta, e assistia os mesmos programas.
Duas semanas se passaram e ele voltou para o hospital. Demorou na sala de espera, aguardou no corredor e esperou na sala do médico. O doutor passou uns dez minutos fora da sala antes de entrar. A porta atrás de Tom se abriu, mas a voz que ele escutou não foi a de um médico.
- E então, como tem sido?
A mulher examinou seu dedo e mandou removerem as ataduras. Indicou um novo medicamento e o despachou. Tom não. Ele virou-se pela última vez antes de sair da sala dela:
- Você está livre amanhã á noite?
Foi a primeira remada que ele deu contra a rotina. Eles se encontraram, namoraram por alguns meses, mas ao contrário do que estão pensando, eles não se casaram. Cada um seguiu seu caminho, mas Tom não deixou mais que o caminho o levasse. Desde então ele tem um novo emprego, acorda mais tarde, chega em casa mais cedo, janta coisas diferentes á cada dia e marca programas para a noite. Agora Tom é um homem livre.
Até consertou a porta da caixa de correios.
Por Igor Mariano
Quero, definitivamente, uma caixa de correios. =B
ResponderExcluir